domingo, 30 de janeiro de 2011

Aventura em São Paulo


Na segunda-feira, seguinte da minha primeira quiomio, eu e meu pai resolvemos ir para São Paulo para ouvirmos uma segunda opinião sobre minha doença. Eu queria muito ir, mas realmente não estava em condições, ainda no aeroporto para embarcar,  a cada dez passos eu tinha que sentar pra não desmaiar. Meu pai até quis desistir, mas eu precisava ir. Queríamos respostas a tantas perguntas...   Reuni todas as minhas forças e conseguimos chegar a São Paulo. Logo em seguida fomos almoçar, e eu estava tão fraquinha que isso me deu forças para aguentar o resto do dia. Logo no início da tarde fomos para a consulta com Dr.Sidney Stelman. Sabíamos que há 30 anos que ele só trata do meu tipo de tumor (Osteosarcoma). A consulta foi incrível, ele nos ajudou bastante, e deixou bem claro que o momento da cirurgia era o mais importante em todo o meu tratamento, e  que tudo precisava dar certo. Isso nos deixou  bem mais confiantes. Saímos de lá direto para o aeroporto e aí tomamos um chá de cadeira, mas naquele aeroporto que mais parece um shopping, eu ficaria quantas horas fossem necessárias. Chegamos a Belo Horizonte naquele mesmo dia. Foi uma verdadeira aventura viajar a  São Paulo. Achei mesmo que São Paulo é “perfeito”. Tenho a promessa do meu pai, quando tudo isso acabar, a gente vai voltar à  São Paulo, mas dessa vez só pra passear. 
Rumo a Sampa...

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Vamos fugir?

Nesse dia que seria o início do seu tratamento, lembro-me que ficamos um bom tempo esperando o seu remédio chegar. Havia uma máquina que controlava o soro, a dosagem, o tempo, tudo. Não houve como não nomeá-la de “Dona Fifi” (Fifi,é em homenagem àquelas figuras que controlam a vida alheia, e dão notícia de tudo). Na hora do almoço, fomos nos revezando, e houve um momento em que ficamos eu, você e Tetê. Entre muitos causos e risadas, pontilhavam de vez em quando alguns silêncios. Acho que não sentíamos aflição, mas eram silêncios cheios de expectativas, e claro que de muito medo. O medo, minha querida, é sem dúvida nenhuma um dos gigantes da alma. Mais que a dor física e a própria dor emocional. Mas é só um gigante, que você derruba ao solo todos os dias, se preciso for. Em meio a um desses silêncios, alguém sugeriu: “Vamos Fugir”? (devo ter sido eu, com minhas idéias mirabolantes...) nos entreolhamos e ... fugimos através da música.
“Vamos fugir
Pra outro lugar, baby
Vamos fugir
Pra onde quer que você vá
Que você me carregue”...*
A gente cantava e sorria . Sorríamos, eu e Tetê, contagiadas pelo brilho dos seus olhos adolescentes. Esse mesmo olhar que hoje persiste ,e nos acolhe com uma luz aconchegante sempre que estamos em sua companhia. Ninguém fugiu dali. Ao contrário. Mesmo tentando que a enfermeira ligasse o soro na Tetê (a quem você espertamente fez com que colocassem uma pulseira de paciente), a medicação foi feita. E na sua luta , nos apresentamos, nos fizemos soldados, armados até os dentes, se preciso for, contra a tristeza , a dor, e a solidão.
Mas,... vamos fugir?
Dinda.






*”Vamos fugir” – Gilberto Gil e Liminha

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A Cisplatina

Em Belo Horizonte ficamos hospedados na casa da minha Tia Dária que nos recebeu muito bem,  e continua nos recebendo. Amanda, minha prima preparou um quarto só pra nós, tem até fotos da nossa família. O médico a quem fomos encaminhamos nos atendeu e foi logo pedindo  um monte de exames. Minha Tia Tetê,  que também mora aqui em BH nos acompanhou para todo lado, simplesmente nos levou em todos os exames, nos ajudando muito. Esse médico daqui, o Dr.Caetano, afinal não podia fazer meu tratamento dentro do nosso plano de saúde, então nos transferiu  para Dra. Karine que é até  conhecida da  Dra. Priscilla, lá de Montes Claros, aquela que falou finalmente do meu diagnóstico. Dra. Karine não teve muito o que nos explicar, mas ela seria a responsável, a partir daquele momento por minhas quimioterapias e o Dr. Rodrigo Granda, da mesma equipe, cuidaria da minha cirurgia. Quando saímos de lá, já deixamos marcada a primeira sessão de quimio que seria feito no Hospital das Clinicas. Eu ia internar no domingo e começar a fazer a quimio, terminava na segunda-feira e assim que me recuperasse teria alta. Havia a possibilidade de eu fazer na clínica, sem precisar me internar, mas a Dra. Karine disse que eu podia passar mal e  precisava ser acompanhada e avaliada, ou seja, tinham que saber como meu organismo ia receber essa medicação. O dia da internação chegou e lá fomos eu,  mamãe e Tia Tetê. Tentei despitar que era a Tia Tetê que era a paciente, ela afinal estava com tanta invejinha de mim. Conseguí que colacassem nela também aquela pulseirinha de identificação de paciente internado. Subimos para o apartamento e minha Dinda chegou, logo em seguida meu pai também chegou de Montes Claros. Eu havia dito que ninguém botava a mão em mim enquanto meu pai e minha Dinda não chegassem, e deu certo. A enfermeira, que Dinda apelidou de Tererê (por causa das trancinhas dela) pulsionou minha veia e colocou o soro. Dessa vez foi menos pavoroso,mas eu enrolei o quanto pude. Meu pai foi embora naquele mesmo dia pois precisava trabalhar.Esse meu anjo da guarda tem feito uma ponte (terrestre mesmo) entre BH e Montes Claros, de forma incansável. Essa primeira quimioterapia foi com a tal “Cisplatina”, um dos remédios que eu iria usar por via venosa. Passei muito mal, a médica já havia falado que é o mais forte  deles.  Só saí do hospital na quinta-feira, mas eu não estava nada boa. Meu pai veio nos buscar no hospital. Ao sair, fiquei tão feliz de ver gente, nunca foi tão bom ver gente, luz, rua, movimento. Mas aí fiquei enjoada e vomitei o resto da semana.  Este foi o primeiro ciclo de tratamento, em um protocolo que tenho que seguir com 16 sessões de quimioterapia e uma cirurgia, daqui a alguns meses. Tenho que me lembrar que é um dia de cada vez, e cada um com sua agonia, mas também com muito carinho e conforto ao meu redor.


sábado, 22 de janeiro de 2011

O diagnóstico

Finalmente chegou o resultado da biópsia. O Dr. Eduardo nos encaminhou para uma médica e disse que seria ela que trataria o meu problema, a Dra. Priscilla. Mas, afinal, qual era o meu problema? Ninguém sabia a resposta. Na hora da consulta, entramos todos juntos na sala dela, eu, meu pai e minha mãe. Ela parecia ser bem simpática, e logo que entramos pediu que eu explicasse tudo que tinha acontecido, e, em seguida, ela olhou meu raio X, e examinou meu braço. Então a médica disse que eu tinha um tumor. Foi como perder o chão, e de novo aquelas lágrimas que não ficavam quietas. Não dava pra pensar em nada, só chorar. Ela começou a me explicar, e eu me senti como se estivesse sozinha na sala com ela,  eu só ouvia , e ela dizia que eu estava com câncer do tipo osteosarcoma, que eu teria que fazer quimioterapia ( hoje eu sei que é um remédio que se toma via venosa). Mas quando ela falou que meu cabelo iria cair, isso eu não ouvia, porque a voz dela sumia, e na verdade eu não queria escutar nem ela, nem ninguém. Aquele foi, com certeza, o pior momento da minha vida. Meus pais tentavam me acalmar, afinal, eu sabia que eles estavam nessa comigo, mas eu não conseguia prestar atenção em nada, só chorava, e o resto da consulta foi assim. Cheguei em casa e  já fomos arrumar as malas pois no outro dia iríamos para Belo Horizonte iniciar o meu tratamento. Ficou decidido que eu ia me tratar lá, e a Dra. Priscilla já havia até marcado consulta com uma equipe de médicos que cuidavam desse tipo de câncer.
 No dia seguinte fui à escola. Eu queria despedir das minhas amigas e quando cheguei lá percebi que dalí em diante, minha vida não seria mais a  mesma. Era como se mais um dia  ruim começasse, e o que me mantinha firme, era saber que eu não estava sozinha e que tudo aquilo tinha uma data para acabar e além do mais, meu pai me prometeu que daria minha vida de volta. Difícil foi me despedir da  Bruninha, a minha prima querida. Somos inseparáveis e eu não imaginava como seria ficar tanto tempo sem ela, mais eu precisava ir.
A viagem foi bem tranquila para BH. Estávamos todos tão pensativos e confusos, que era difícil falarmos de alguma coisa. O silêncio era maior que todos nós.
Eu e meu pai em BH

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Cada dia com a sua agonia

Acordamos as seis horas da manhã e fomos para a Santa Casa. A enfermeira que nos acompanhou até o quarto pediu para eu trocar de roupa que logo iriam trazer o soro. Ops, soroo? E aquela roupa sem nenhum senso de moda e conforto? De novo eu não controlava minhas lágrimas rebeldes, mesmo que meu pai tentasse me manter calma. Mas foi ele, com muita paciência, que me explicou que  aquilo tudo era necessário, que eu tinha que fazer; e disse também que tudo o que precisasse ser feito nós faríamos. Foi então que começou  a minha fase de superações. Vesti aquela roupa horrivel, logo depois chegou um enfermeiro; eu tremia, chorava, suava, resumindo, é que eu tenho PAVOR DE AGULHA!.
Apesar da minha não colaboração com o enfermeiro, ele fez o seu trabalho, ligando o soro no meu braço, e  é claro que eu achei  que aquilo doeu demais. Dr.Eduardo havia nos explicado que poderia ser uma inflamação no osso o que seria simples, eu teria que ficar alguns dias no hospital tomando alguns remédios anti-inflamatórios, caso contrário eu iria embora sem um diagnóstico definido. Bom, a cirurgia estava marcada para  as onze horas, e minhas amigas Kamilla e Camila, chegaram para me visitar uma hora antes. Passou tão rápido que logo uma enfermeira veio me buscar para o bloco cirúrgico. Eu fiquei nervosa de novo, todos me acompanharam até a porta e as  minhas lágrimas a essa altura já tinham independência e com certeza elas não queriam ficar quietas. Entrei naquela sala estranha e fria e tentei me ocupar reparando nos detalhes daquele lugar. A  enfermeira Juliana me fez companhia até o Dr .Eduardo chegar, o que não foi nada rápido . Ele chegou junto com o anestesista que, aliás, era bem simpático, e que meu pai não me ouça dizendo isso, mas o anestesista era bem bonito. Também, depois de tomar aquele remédinho, eu não vi mais nada, quando acordei, estava na sala de recuperação, não conseguia ver o meu braço que doía muito. Uma enfermeira veio me perguntar se eu estava sentindo dor. Lutava para manter meus olhos abertos, estava meio tonta e respondi que sim. Alguns minutos depois a enfermeira voltou e naquele momento eu enxerguei muito bem uma injeção na mão dela. Quando ela disse que era um remédio para a minha dor eu acordei de todos os sonos e preferi ficar sentindo dor. É isso mesmo, não quis tomar a injeção. Tudo bem que essa é uma fase de superação, mas vamos com calma. Ao voltar para o quarto estavam todos me esperando. Eu precisava muito ir ao banheiro, mas se querem um conselho, não tentem levantar depois de uma cirurgia. Bem, minha ida ao banheiro não deu certo, e eu ainda estava morrendo de fome. Eu até ia comer aquela comida deliciosa do hospital, mas meu pai chegou com um super lanche da Center Pão e para não deixar ele chateado tive que comer o lanche que ele trouxe, e deixar a comida do hospital de lado. Mas até para fazer um pai feliz é dificil. Um dos meus braços estava com soro e o outro foi o da cirurgia, então Kamilla (uma das amigas) tão boazinha, foi me dar o lanche  e no fim tudo virou uma grande diversão. Me esquecí um pouco de que tudo isso estava só começando. As meninas foram embora e eu descansei um pouco. Quando acordei tia Zézinha estava lá, mas aí veio uma notícia que eu não sabia se era boa ou ruim, eu estava de alta, mas sem um diagnóstico o que me preocupava bastante. Fui pra casa e minha semana foi normal. O resultado da biópsia sairia em vinte dias. As coisas na escola ficavam cada vez mais dificeis, pois já não conseguia escrever direito. Pensar no que poderia vir pela frente me afligia, mas meu pai como sempre me confortando, me falou uma coisa que levarei para sempre comigo. Ele disse : “Cada dia com a sua agonia”, e aquele dia eu já tinha superado e me preocupado com tanta coisa. Então, o que vier amanhã vou deixar pra amanhã, e acho que é isso que me sustenta.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

E era meu aniversário...

                  No outro dia era meu aniversário. A aula  havia sido perfeita  e ainda na escola meus pais me enviaram um buquê de flores. A tarde eu tinha consulta marcada com o Dr. Eduardo Pina, o médico  que deveria ter examinado minha radiografia. Não  era  o melhor programa pra eu fazer na tarde do meu aniversário, mas era o que tinha que ser feito. Depois de uma espera que me pareceu longa demais, o Dr. Eduardo nos atendeu carinhosamente. Ao observar o meu raio X, fez uma cara muito séria e pediu para examinar meu braço e perguntou se eu estava tendo febre. O meu corpo tremeu, eu fiquei gelada e a primeira lágrima desceu,  ele havia  feito a mesma pergunta do clínico.  Ele parecia muito preocupado, Saiu de repente da sala, com meu exame nas mãos. Eu, meu pai e minha mãe ficamos nos entreolhando e logo meu pai saiu atrás do médico. Ao  sair parecia que ele tinha levado todo ar da sala com ele. Quando finalmente voltaram, meu pai estava pálido e o Dr. Eduardo havia  perdido seu ar de conforto  e  ficou totalmente profissional. Eu já sabia que a notícia não era boa. Minha mãe do meu lado tentava me acalmar, mas aquela sala de hospital literalmente branca, de repente, parecia estar coberta por uma sombra preta. O Dr. Eduardo falou com muito cuidado, e afinal, o Clínico que me atendeu anteriormente estava certo, pois eu teria que fazer a biópsia. Eu nem controlava mais  minhas lágrimas que desceram em abundância. Não sabia o que falar, muito menos o que pensar. Eu só conseguia chorar. O médico, aos poucos, foi nos explicando tudo. É,  eu teria que fazer uma cirurgia e já no dia seguinte,. Meu pai foi para o consultório do Dr.Eduardo resolver a parte burocrática e eu e mamãe fomos para a casa da minha tia, que junto com minhas outras tias tinham preparado  uma surpresinha pra mim. Foi então que me lembrei que ainda era o meu aniversário.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Eu pensava que era só uma dor no braço



                   Pode parecer estranho, mas tenho 14 anos e muitos problemas. Minha vida mudou naquele dia. Era feriado de 7 de setembro, meu braço tava doendo muito. No dia 9 (quinta-feira) eu fiz uma radiografia, do braço e como o resultado demorou muito pra sair, o médico que solicitou o exame não pôde me atender. Então meu pai me levou em outro médico,  no hospital Aroldo Tourinho em um clínico geral. Ele olhou friamente meu raio X e com  uma cara não muito boa me perguntou se eu estava tendo febre. Não, eu não estava tendo febre, e ele sem cuidado nenhum( bem, eu achava que deveria haver um outro jeito de dizer coisas desagradáveis...) Ele falou que eu teria que fazer uma biópsia, pra ser mais claro eu teria que abrir meu braço e tirar um pedaço do osso. Saímos de lá confusos, meu pai me fez achar aquilo um tremendo absurdo,  mas na verdade eu sabia que ele estava com tanto medo quanto eu. Eu estava assustada; se eu não conseguia tomar uma vacina direito  por causa do medo de  agulhas, imagina fazer uma cirurgia?

Porque a vida... é Bárbara!



Tenho um orgulho muito grande de ser eu a apresentar esse blog. Não só por ser a madrinha (Dinda) dessa pessoa tão especial quanto a Bárbara, por também ter vislumbrado, já na primeira leitura dos rascunhos desse diário, a qualidade da escrita, sem nenhuma afetação, recheada de momentos de puro humor e alegria de viver; a vida do jeito que ela é. A beleza dessa criatura que tem nos surpreendido a todos (a nós familiares, amigos, profissionais) pela força de superação que acionou diante do imprevisto. Este  é o relato de uma adolescente como qualquer outra da sua idade. A diferença é que esta nossa menina veio nos lembrar que a vida vale cada momento, cada dia. Que a vida é um bem maior pelo qual lutamos, mas sem perder nem a graça, nem a dignidade, nem a beleza de ser. A vida, minha gente... é Bárbara!

Sandra Fonseca